domingo, 1 de julho de 2012

SER POETA


Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e cetim…
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca - Charneca em Flor

sábado, 25 de fevereiro de 2012

ULTIMA VEZ

Se soubesse que aquela seria nossa ultima noite
não teria, nunca nem jamais, te deixado partir
daquele céu, totalmente, límpido e estrelado
que pintamos antes de uma nova manhã surgir.

Se soubesse que aquele seria nosso ultimo beijo
esticaria ao máximo até nossos lábios de tanto
deleite perdesse todos os sentidos e no teu peito
acharia meu repouso, meu único e místico manto.

Se soubesse que aquele seria nosso ultimo olhar
gravaria em minha retina a beleza nostálgica
das tuas como uma velha paisagem a desbotar
e esculpiria todas as imagens em minha memória.

Nanda Braga

sábado, 7 de janeiro de 2012

A ESPERA

E quando a madrugada chega,
esfrega sua ausência em minha cara,
lança seus venenos como serpente
sem piedade, sem antídoto e sem falha,

me assalta o desespero e como em fuga
dessas noites em vigorosas chamas
procuro refugio, um vil esconderijo
em um pobre poema e suas entranhas,

algo que possa me arrancar das entrelinhas,
do desassossego da minha cama amaldiçoada,
dos tantos erros cometidos e suas ladainhas
que me tiram o sono enquanto espero a chegada.

Enquanto não chega me lanço inutilmente
entre as batalhas, entre as mil espadas afiadas.
Duelo entre o sonho e o poema que facilmente
me devora, me deixando sem as, inúteis, armas,

sem qualquer vontade de continuar a lutar
contra toda aquela invisível trovoada.
E só o que desejava era poder contemplar
o nascer de mais uma nova alvorada.

Nanda Braga

domingo, 4 de dezembro de 2011

INQUIETUDE

Diga-me como passar esses dias longos e frios
do inverno que se inicia em minha estrada
ainda forradas de folhas secas e amareladas
que o outono deixou, mas que a nortada não tarda,

se não me irradias mais o calor do teu largo sorriso
fértil em minhas terras áridas, escuras e banidas,
que esquentavam completamente o corpo e a alma
e abrandavam todas as impiedosas e cruéis ventanias?

Diga-me como não reviver todos aqueles momentos
que cismam e se projetam na minha sala deserta,
feito um astucioso filme de uma historia inacabada
que não pára de rodar diante da minha face molhada,

se não és mais o personagem principal dos meus dias,
se não és mais o grande imperador das minhas fantasias,
se nossas histórias já não dão mais a mesma audiência,
que povoavam nossos cartazes, panfletos e bilheterias?

Diga-me como esquecer todas aquelas belas cachoeiras
que jorram veemente em minhas telas frescas e emolduradas,
que enfeitam as paredes dos tantos quartos abandonados,
das lembranças das noites felizes e das tardes ensolaradas,

se minha natureza não se confunde mais com a tua selva,
se meu dia não desmaia mais em tua feroz noite estrelada
que iluminava até clarear e ressuscitar novamente meu dia
e teus pássaros já não se abrigam em minha copa cansada?

Diga-me como dizer não aos meus frenéticos sentidos
que desejam o repouso sereno dos teus nos meus lábios
que anseiam a maciez e a quentura dos teus largos braços
que eu fazia de minha morada, meu refugio, meu abrigo,

se não possuo mais os mapas das tuas, infinitas cavernas,
se meus olhos não enxergam mais nas tuas trilhas largadas
nenhuma pista infiltrada, nenhuma breve ou recente pegada
e teus rastros não existem mais sob a minha lanterna?

Diga-me como conseguir, definitivamente, esquecer
todas as artimanhas secretamente cravejadas e cravadas
feito a ponta afiada de uma velha e impetuosa espada
que ainda sem nenhuma piedade corta, fere, sangra e mata,

se minhas preces já não são mais atendidas,
de não pensar mais nas tantas idas e vindas
desse amor e suas inconstantes armadilhas,
se já não fazes mais parte da minha vida?

Nanda Braga

terça-feira, 27 de setembro de 2011

O NOSSO MUNDO

Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos
Como um divino vinho de Falerno!
Poisando em ti o meu amor eterno
Como poisam as folhas sobre os lagos…

Os meus sonhos agora são mais vagos…
O teu olhar em mim, hoje, é mais terno…
E a Vida já não é o rubro inferno
Todo fantasmas tristes e pressagos!

A vida, meu Amor, quer vivê-la!
Na mesma taça erguida em tuas mãos,
Bocas unidas hemos de bebê-la!

Que importa o mundo e as ilusões defuntas?…
Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?…
O mundo, Amor?… As nossas bocas juntas!…

Florbela Espanca - Livro de Soror Saudade

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O INESPERADO

Parece que ta faltando um pedaço em mim,
uma fenda enorme se formou em meu peito
e não consigo pensar nem querer mais nada,
só de me refugiar em meu velho aconchego.

Queria acreditar que aquelas, duras, palavras
foram mais um, desmedido e violado, engano.
Mas como, agora, lutar contra todos os teus sinais,
com sentimentos que, de mim, não suportas mais,

se quando me negaste a única chave que abriria
todas aquelas portas de uma tão sonhada dinastia,
me roubaste todos os, possíveis, escudos e armas
e me deste a, demais inesperada, carta de alforria?

Nanda Braga

terça-feira, 20 de setembro de 2011

CERTAS NOITES

Tem certas noites
em que os dias são longos,
que as alamedas são açoites,
os campos são pastos
e os rastos, falhos dados.

Tem certas noites
em que a vida não passa
e a lua não se despede,
onde não tem choro nem risada
e os corpos não ardem em febre.

Tem certas noites
que a brisa congela
que a alma se talha,
que a morte se revela
e o tudo, no mais, é nada.

Tem certas noites
que esperamos somente um Fim
que desejamos somente um Sim.

Nanda Braga

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

MAGIA

Quando naquele beijo me deixaste,
deixaste meu sorriso mais límpido
e meus olhos com um novo brilho.

Deixaste o gosto do nosso gosto,
as marcas dos teus em meus braços
e a delícia de nossos afagos.

Deixaste um que de quero mais,
a magia de uma nova estada
e a certeza de não querer mais nada.

Nanda Braga

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

É PROIBIDO

É proibido chorar sem aprender,
Levantar-se um dia sem saber o que fazer
Ter medo de suas lembranças.

É proibido não rir dos problemas
Não lutar pelo que se quer,
Abandonar tudo por medo,

Não transformar sonhos em realidade.
É proibido não demonstrar amor
Fazer com que alguém pague por tuas dúvidas e mau-humor.
É proibido deixar os amigos

Não tentar compreender o que viveram juntos
Chamá-los somente quando necessita deles.
É proibido não ser você mesmo diante das pessoas,
Fingir que elas não te importam,

Ser gentil só para que se lembrem de você,
Esquecer aqueles que gostam de você.
É proibido não fazer as coisas por si mesmo,
Não crer em Deus e fazer seu destino,

Ter medo da vida e de seus compromissos,
Não viver cada dia como se fosse um último suspiro.
É proibido sentir saudades de alguém sem se alegrar,

Esquecer seus olhos, seu sorriso, só porque seus caminhos se
desencontraram,
Esquecer seu passado e pagá-lo com seu presente.
É proibido não tentar compreender as pessoas,
Pensar que as vidas deles valem mais que a sua,

Não saber que cada um tem seu caminho e sua sorte.
É proibido não criar sua história,
Deixar de dar graças a Deus por sua vida,

Não ter um momento para quem necessita de você,
Não compreender que o que a vida te dá, também te tira.
É proibido não buscar a felicidade,

Não viver sua vida com uma atitude positiva,
Não pensar que podemos ser melhores,
Não sentir que sem você este mundo não seria igual.

Pablo Neruda

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

LIMPANDO O SISTEMA

Hoje exclui todos os arquivos e pastas,
apaguei teu rastro e tuas tantas legendas,
varri todas aquelas informações contidas,
todas as fotos, todos os e-mails e poemas

Deletei de vez tudo que pudesse lembrar,
tudo que pudesse me fazer regressar
a um tempo de alegrias e tempestades
que minha memória pede que formate.

Não que me arrependa de tudo que escrevi,
de todos os sentimentos que, em disco, salvei.
Estarão sempre guardados em outras memórias,
em memórias não-voláteis que nunca apagarei.

Mas agora meu disco central pede mais espaço,
exige que eu desafogue e limpe o meu sistema
para que eu possa, no futuro, baixar ou salvar
outros arquivos, outras fotos e outros poemas.

Nanda Braga