Diga-me como passar esses dias longos e frios
do inverno que se inicia em minha estrada
ainda forradas de folhas secas e amareladas
que o outono deixou, mas que a nortada não tarda,
se não me irradias mais o calor do teu largo sorriso
fértil em minhas terras áridas, escuras e banidas,
que esquentavam completamente o corpo e a alma
e abrandavam todas as impiedosas e cruéis ventanias?
Diga-me como não reviver todos aqueles momentos
que cismam e se projetam na minha sala deserta,
feito um astucioso filme de uma historia inacabada
que não pára de rodar diante da minha face molhada,
se não és mais o personagem principal dos meus dias,
se não és mais o grande imperador das minhas fantasias,
se nossas histórias já não dão mais a mesma audiência,
que povoavam nossos cartazes, panfletos e bilheterias?
Diga-me como esquecer todas aquelas belas cachoeiras
que jorram veemente em minhas telas frescas e emolduradas,
que enfeitam as paredes dos tantos quartos abandonados,
das lembranças das noites felizes e das tardes ensolaradas,
se minha natureza não se confunde mais com a tua selva,
se meu dia não desmaia mais em tua feroz noite estrelada
que iluminava até clarear e ressuscitar novamente meu dia
e teus pássaros já não se abrigam em minha copa cansada?
Diga-me como dizer não aos meus frenéticos sentidos
que desejam o repouso sereno dos teus nos meus lábios
que anseiam a maciez e a quentura dos teus largos braços
que eu fazia de minha morada, meu refugio, meu abrigo,
se não possuo mais os mapas das tuas, infinitas cavernas,
se meus olhos não enxergam mais nas tuas trilhas largadas
nenhuma pista infiltrada, nenhuma breve ou recente pegada
e teus rastros não existem mais sob a minha lanterna?
Diga-me como conseguir, definitivamente, esquecer
todas as artimanhas secretamente cravejadas e cravadas
feito a ponta afiada de uma velha e impetuosa espada
que ainda sem nenhuma piedade corta, fere, sangra e mata,
se minhas preces já não são mais atendidas,
de não pensar mais nas tantas idas e vindas
desse amor e suas inconstantes armadilhas,
se já não fazes mais parte da minha vida?
Nanda Braga